sábado, 10 de setembro de 2011

O Sombra

Tudo parece tão confuso, neste momento, mas acho natural. Ainda ecoam os olhos de meu pai vermelhos e a voz embargada, parecendo distante demais pra ser mais que surreal. "O Sombra morreu".
Minhas lágrimas caíram de maneira descontrolada e ácida, mas não consigo lembrar de nenhuma coisa triste, de fato, ao pensar nele. Ali, deitada no colo do meu pai, aos prantos, lembrei da brincadeira da Menininha do "Canto A"*. Ele repetia o desenho, infinitamente e em todas vezes, eu ria. E ele ria de volta, aquela risada única de Seu Antônio. Lembrei-me de atender o telefone e ouvir do outro lado do fio, com tom amedrontador: "É O SOMBRA". O Sombra, supostamente, era alguém assustador e mesmo que nós - eu e minha irmã - soubéssemos que era apenas Tio Toninho, num acordo tácito e lúdico, nós sempre sentíamos alguns segundos de medo, para só então, rir e sorrir. Era uma brincadeira para as pequenas sobrinhas, mas lembro-me que durou até outro dia mesmo e eu era já grande demais pra ter medo de quase qualquer coisa não palpável.
Lembrei-me que eu pude confiar nele, em um momento dos mais dolorosos, e, que mesmo não falando tão frequentemente, ele era um pouco meu segundo pai, ou algo que o valha. Lembrei-me do último abraço, da promessa que me fez fazer de que seria feliz, porque ao fim, éramos sangue do mesmo sangue e ele não permitiria que seu próprio sangue fosse infeliz.
Perdoa-me, Tio. Perdoa-me. Por não ter ido almoçar no domingo. Perdoa-me por não ouvir minha intuição me implorar em sonho pra ir te ver, quinze dias antes que você começasse uma jornada médica sem volta. Perdoa-me, mais que tudo, por não estar preparada pra me despedir. Tão absurdamente despreparada, que o Universo me pôs a seiscentos kms de distância, no dia de teu último adeus. Sei que me perdoas, onde quer que estejas, porque sei que teu coração é grande o bastante para entender o egoísmo desta noite, em que tudo que peço, é que Deus me permita te rever em algum lugar, em algum tempo.
Ah, Sombra... Isto é hora de morrer? Descansa em paz, leva meu amor por ti, contigo. Pra sempre. Por que agora quando me disserem "vai pela sombra", quem sabe, não estás tu a me proteger?

* Trocadilho com a música "Oração da Menininha do Gantois", homenagem a uma figura religiosa do candomblé baiano. ( http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A3e_Menininha_do_Gantois e http://www.youtube.com/watch?v=bHxJ_dVeqwI )